terça-feira, 24 de dezembro de 2019

O Nascimento


Gosto de viver no meio do rebanho. As ovelhas são muito tranquilas. Elas raramente criam conflitos. Mas são indefesas. Não sabem correr como lebres e gazelas e não se defendem com mordidas, nem dão coices ou chifradas. Por isso, nós pastores cuidamos delas, de dia e de noite. 


Sim, eu gosto das ovelhas, mas a minha vida não é fácil. Nós pastores enfrentamos noites frias e faltam-nos abrigos seguros e agasalho que aquece. 

Nós somos peões e temos poucos direitos. O pior de tudo é que nos excluem do templo, das celebrações e da comunhão com Deus. As pessoas do bem, que se dizem puras, nos marginalizam. Sua religião ensina que somos impuros porque lidamos com animais.

De uns dias para cá, acontece algo de extraordinário. Aparece uma luz. Sim, a mais clara de todas as luzes! Ela vem acompanhada de uma mensagem que nos enche de esperança: Não tenham medo!

Que coisa estranha e maravilhosa! A luz aponta um estábulo onde está um menino, e seu berço é o coxo onde comem os animais. 

O medo acompanha minha vida desde sempre. Nossos patrões são ásperos conosco, e suas mãos são pesadas no castigo. Eles bajulam nosso prefeito Quirino, um soldado guerreiro e rápido com a espada. Ele veio para fazer um recenseamento, porque o Imperador Romano quer saber quanto imposto pode cobrar do nosso povo. Se ele aumentar os impostos, os donos dos rebanhos vão demitir muitos pastores e descontar o imposto nos nossos salários. E ainda tem o nosso Rei Herodes, um tirano que se mostra muito religioso, mas que é apaixonado por armas, tem falas violentas e governa com ameaças.

Começo a entender por que a brandura do menino tira o medo de mim. Creio que nasce com ele uma forma nova de viver: Sua fofura vence a rudeza. Sua ternura acolhe e não me exclui. Seu sorriso convida e não ameaça. Seu olhar meigo me toca. Cada dia, o menino cresce um pouco dentro de mim. Se crescer em muitos de nós e nos poderosos, meu medo vai desaparecer.


P. Silvio Meicke 



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