Um domingo radiante nos esperava na capital. Jerusalém
estava em festa. Gente de todos os cantos de Israel vinha para celebrar a
Páscoa. Nosso grupo estava eufórico, apesar da situação política cada vez mais
dramática e do risco às liberdades por causa da ostensiva política de segurança
pública do #ForaHerodes.
O mestre nos mandara procurar um burrico. Ele queria entrar
na capital montado. Encontramos um, que nos emprestaram. O mestre foi na
frente, montado no animal, e nós atrás dele; assim entramos em Jerusalém.
Você não imagina o que aconteceu! Ainda me arrepio de emoção
só em lembrar. O populacho, cansado de tudo aquilo e já sem paciência com o
vassalo cujo nome não repito nem sob tortura, começou a lotar a rua principal.
Aquele garboso homem de 33 anos montado sobre um burrico era tudo de que
precisavam. Alguém em quem colocar um fio de esperança, afinal! Nos passeios,
em ambos os lados da avenida principal, as pessoas nos recebiam como a nova
solução para todos os males da nação.
Em pouco tempo, já não havia mais como fugir da multidão.
Não éramos mais nós a puxar o povo, mas éramos quase que carregados em seus
braços. De um lado, apupos de hosana, hosana, viva o nosso Rei! Do outro, gente
aos gritos de fora Herodes; volta pra Roma; abaixo a tirania; chega de
corrupção! Atrás de nós um grupo não parava de cantar: Jesus é Nosso Rei! Jesus
é nosso Rei!
Faixas pediam o fim do domínio romano, bandeiras de Israel
tremulavam entre a multidão, que só fazia encorpar. Não contei quantos eram,
mas estimativas levam a crer que eram mais de vinte mil. Os mais afoitos
começaram a tirar suas túnicas e as esticavam na frente do burrico, fazendo a
reverência real. As mulheres cobriam o chão com ramos, folhas de palmeiras e
flores silvestres das margens do Jordão. As crianças dançavam ao redor do
burrico com pequenos cata-ventos coloridos, dizendo: Jesus, Jesus, Jesus!
Pressionados pela multidão, todos nós, junto com o burrico
carregando o Mestre, quase não conseguíamos avançar. Era o auge da utopia que
vínhamos construindo em nossas mentes nos últimos três anos.
As palavras animadoras e desafiadoras do mestre, suas ações
em favor de tanta gente, o jeito como lidava com as minorias, como os leprosos,
as mulheres... Ah, nós estávamos nas nuvens! O Reino de Deus seria restaurado!
Finalmente #ForaHerodes teria que fazer as suas malas e exilar-se em Roma! Nos
transformamos numa espécie de torcida organizada que conduzia a multidão: Jesus
é o nosso rei! Jesus é o nosso rei! Jesus é o nosso rei!
As mãos doíam de tanto agitar ramos e bandeiras. Mas a
euforia aplacava a dor.
Foi aí que percebemos que o lado externo da massa de gente
começava a silenciar. Um tumulto abafado se instalara lá atrás na multidão, que
dispersava como caça acuada. A marcha da cavalaria herodiana já abafava a nossa
euforia. Uma dúzia de truculentos soldados em suas armaduras romanas reluzentes
vinha pela retaguarda em suas montarias, com suas lanças apontadas para a
multidão e as espadas desembainhadas e prontas para o ataque. Fechavam a rua,
que ficava limpa atrás de sua passagem. Nada melhor que uma tropa de choque
para silenciar utopias!
Em pouco tempo, as lojas ficaram cheias, as mães cobriam
seus filhos, as janelas se fecharam e as sacadas ficaram vazias. Bandeiras
enroladas, faixas escondidas sob as túnicas, a multidão dispersou apressada.
Nós formamos um escudo ao redor de Jesus e até o burrico escafedeu-se. Acho que
voltou para o seu pasto particular...
Não tínhamos a mínima noção que, ali mesmo, junto com
bandeiras e cartazes, enrolávamos também nossas utopias de um novo tempo e
caminhávamos para a semana mais terrível da nossa militância. Era o fim de
tudo. Demoramos para recobrar os sentidos e voltar a organizar nossa esperança
que, confesso, nunca mais foi a mesma.
Clovis Horst Lindner - Domingo de Ramos de 2018
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